Em meio à paisagem hostil do sertão nordestino, quatro
pessoas e uma cachorrinha se arrastam numa peregrinação silenciosa. O menino
mais velho, exausto da caminhada sem fim, deita-se no chão, incapaz de
prosseguir, o que irrita Fabiano, seu pai, que lhe dá estocadas com a
faca no intuito de fazê-lo levantar. Compadecido da situação do pequeno, o pai
toma-o nos braços e carrega-o, tornando a viagem ainda mais modorrenta -
A cadela Baleia acompanha o grupo de humanos agora sem a companhia do outro
animal da família, um papagaio, que fora sacrificado na véspera a fim de aplacar
a fome que se abatia sobre aquelas pessoas. Na verdade, era um papagaio
estranho, que pouco falava, talvez porque convivesse com gente que também
falava pouco .
Errando por caminhos incertos, Fabiano e família encontram
uma fazenda completamente abandonada. Surge a intenção de se fixar por ali.
Baleia aparece com um preá entre os dentes, causando grande alegria aos seus
donos. Haveria comida. Descendo ao bebedouro dos animais, em meio à lama,
Fabiano consegue água. Há uma alegria em seu coração, novos ventos parecem
soprar para a sua família. Pensa em Seu Tomás da bolandeira. Pensa na
mulher e nos filhos.
A inesperada caça é preparada, o que garante um rápido
momento de felicidade ao grupo. No céu, já escuro, uma nuvem - sempre um sinal
de esperança. Fabiano deseja estabelecer-se naquela fazenda. Será o dono dela.
A vida melhorará para todos _ .
Fabiano
Em vão Fabiano procura por uma raposa. Apesar do fracasso da
empreitada, ele está satisfeito. Pensa na situação da família, errante,
passando fome, quando da chegada àquela fazenda. Estavam bem agora _ _ .
Fabiano se orgulha de vencer as dificuldades tal qual um bicho. Agora ele era
um vaqueiro, apesar de não ter um lugar próprio para morar. A fazenda
aparentemente abandonada tinha um dono, que logo aparecera e reclamara a posse
do local. A solução foi ficar por ali mesmo, servindo ao patrão, tomando conta
do local. Na verdade, era uma situação triste, típica de quem não tem nada e
vive errante. Sentiu-se novamente um animal, agora com uma conotação
negativa. Pouco falava, admirava e tentava imitar a fala difícil das pessoas da
cidade. Era um bicho _ .
A uma pergunta de um dos filhos, Fabiano irrita-se. Para que
perguntar as coisas? Conversaria com Sinha Vitória sobre isso. Essas coisas de
pensamento não levavam a nada. Seu Tomás da bolandeira, apesar de admirado por
Fabiano pelas suas palavras difíceis, não acabara como todo mundo? As palavras,
as idéias, seduziam e cansavam Fabiano.
Pensou na brutalidade do patrão, a tratá-lo como um traste.
Pensou em Sinha Vitória e seu desejo de possuir uma cama igual à de Seu Tomás
da bolandeira. Eles não poderiam ter esse luxo, cambembes que eram. Sentiu-se
confuso. Era um forte ou um fraco, um homem ou um bicho _ ? Sentia, por vezes,
ímpeto de lutador e fraqueza de derrotado.
Lembrando dos meninos, novamente, achou que, quando as
coisas melhorassem, eles poderiam se dar ao luxo daquelas coisas de pensar. Por
ora, importante era sobreviver. Enquanto as coisas não melhorassem, falaria com
Sinha Vitória sobre a educação dos pequenos.
Cadeia
Fabiano vai à feira comprar mantimentos, querosene e um
corte de chita vermelha. Injuriado com a qualidade do querosene e com o preço
da chita, resolve beber um pouco de pinga na bodega de seu Inácio. Nisso,
um soldado amarelo convida-o para um jogo de cartas. Os dois acabam perdendo, o
que irrita o soldado, que provoca Fabiano quando esse está de partida. A idéia
do jogo havia sido desastrosa. Perdera dinheiro, não levaria para casa o
prometido. Fabiano, agora, pensava em como enganar Sinha Vitória, mas a
dificuldade de engendrar um plano o atormentava.
O soldado, provocador, encara o vaqueiro e barra-lhe a
passagem. Pisa no pé de Fabiano que, tentando contornar a situação à sua
maneira, agüenta os insultos até o possível, terminando por xingar a mãe do
soldado amarelo. Destacamento à sua volta. Cadeia. Fabiano é empurrado,
humilhado publicamente.
No xadrez, pensa por que havia acontecido tudo aquilo com
ele. Não fizera nada, se quisesse até bateria no mirrado amarelo, mas ficara quieto.
Em meio a rudes indagações, enfureceu-se, acalmou-se, protestou inocência _ .
Amolou-se com o bêbado e com a quenga que estavam em outra cela. Pensou na
família. Se não fosse Sinha Vitória e as crianças, já teria feito uma besteira
por ali mesmo. Quando deixaria que um soldadinho daqueles o humilhasse tanto?
Arquitetou vinganças, gritou com os outros presos e, no meio de sua
incompreensão com os fatos, sentiu a família como um peso a carregar _ .
Sinha Vitória
Naquele dia, Sinha Vitória amanhecera brava. A noite mal
dormida na cama de varas era o motivo de sua zanga. Falara pela manhã, mais uma
vez, com Fabiano sobre a dificuldade de dormir naquela cama. Queria uma cama de
lastro de couro, como a de Seu Tomás da bolandeira, como a de pessoas normais.
Havia um ano que discutia com o marido a necessidade de uma
cama decente e, em meio a uma briga por causa das "extravagâncias" de
cada um, Sinha Vitória certa vez ouviu Fabiano dizer-lhe que ela ficava
ridícula naqueles sapatos de verniz, caminhando como um papagaio, trôpega,
manca. A comparação machucou-a _ .
Agora, ela irritava-se com o ronco de Fabiano ao lembrar-se
de suas palavras. Circulando pela casa, fazia suas tarefas em meio a reza e a
atenção ao que acontecia lá fora. Por pensar ainda na cama e na comparação
maldosa de Fabiano, quase esqueceu de pôr água na comida. Veio-lhe a lembrança
do bebedouro em que só havia lama. Medo da seca. Olhou de novo para seus pés e
inevitavelmente achou Fabiano mau _ . Pensou no papagaio e sentiu pena dele _ .
Lá fora, os meninos brincavam em meio à sujeira. Dentro de
casa, Fabiano roncava forte, seguro, o que indicava a Sinha Vitória que não
deveria haver perigo algum por ali. A seca deveria estar longe _ . As coisas,
agora, pareciam mais estáveis, apesar de toda a dificuldade. Lembrou-se de como
haviam sofrido em suas andanças. Só faltava uma cama. No fundo, até mesmo
Fabiano queria uma cama nova.
O Menino mais novo
A imagem altiva do pai foi que lhe fez surgir a idéia. Fabiano,
armado como vaqueiro, domava a égua brava com o auxílio de Sinha Vitória. O
espetáculo grosseiro excitava o menor dos garotos, impressionado com a façanha
do pai e disposto a fazer algo que também impressionasse o irmão mais velho e a
cachorra Baleia _ . No dia seguinte, acordou disposto a imitar a façanha do
pai. Para tanto, quis comunicar a intenção ao mano, mas evitou, com medo de ser
ridicularizado.
Quando as cabras foram ao bebedouro, levadas pelo menino
mais velho e por Baleia, o pequeno tomou o bode como alvo de sua ação.
Sentia-se altivo como Fabiano quando montava. No bebedouro, o garoto despencou
da ribanceira sobre o animal, que o repeliu. Insistente, tentou se aprumar mas
foi sacudido impiedosamente, praticando um involuntário salto mortal que o
deixou, tonto, estatelado ao chão. O irmão mais velho ria sem parar do ridículo
espetáculo, Baleia parecia desaprovar toda aquela loucura _ . Fatalmente seria
repreendido pelos pais. Retirou-se humilhado, alimentando a raivosa certeza de
que seria grande, usaria roupas de vaqueiro, fumaria cigarros e faria coisas
que deixariam Baleia e o irmão admirados.
O Menino mais velho
Aquela palavra tinha chamado a sua atenção: inferno.
Perguntou à Sinha Vitória, vaga na resposta. Perguntou a Fabiano, que o ignorou.
Na volta à Sinha Vitória, indagou se ela já tinha visto o inferno. Levou um
cascudo e fugiu indignado. Baleia fez-lhe companhia tentando alegrá-lo naquela
hora difícil.
Decidiu contar à cachorrinha uma história, mas o seu
vocabulário era muito restrito, quase igual ao do papagaio que morrera na
viagem _ . Só Baleia era sua amiga naquele momento. Por que tanta zanga com uma
palavra tão bonita ? A culpa era de Sinha Terta, que usara aquela palavra na
véspera, maravilhando o ouvido atento do garoto mais velho.
Olhou para o céu e sentiu-se melancólico. Como poderiam
existir estrelas? Pensou novamente no inferno. Deveria ser, sim, um lugar ruim
e perigoso, cheio de jararacas e pessoas levando cascudos e pancadas com a
bainha da faca _ . Sempre intrigado, abraçou-se à Baleia como refúgio _ .
Inverno
A chuva dava à família a certeza de que a seca não chegaria
por enquanto. Isso alegrava Fabiano. Sinha Vitória, porém, temia por uma
inundação que os fizesse subir ao morro, novamente errantes. A água, lá fora,
ampliava sua invasão.Todos estavam reunidos em volta do fogo, procurando
aplacar o frio causado pelo vento e pela água que agitava a paisagem fora da
casa. Chegara o inverno, e isso reunia a família próxima à fogueira. Pai e mãe
conversavam daquele jeito de sempre, estranho, e os meninos, deitados, ficavam
ouvindo as histórias inventadas por Fabiano, de feitos que ele nunca tinha
realizado, aventuras nunca vividas. Quando o mais velho levantou-se para buscar
mais lenha, foi repreendido severamente pelo pai, aborrecido pela interrupção
de sua narrativa.
Fabiano empolgava-se mais ainda em contar suas façanhas _ .
A chuva tinha vindo em boa hora. Após a humilhação na cidade, decidira que, com
a chegada da seca, abandonaria a família e partiria para a vingança contra o
soldado amarelo e demais autoridades que lhe atravessassem o caminho. A chegada
das águas interrompera aqueles planos sinistros. Em meio à narrativa empolgada,
Fabiano imaginava que as coisas melhorariam a partir dali; quem sabe, Sinha
Vitória até pudesse ter a cama tão desejada.
Para o filho mais novo, o escuro e as sombras geradas pela
fogueira faziam da imagem do pai algo grotesco, exagerado. Para o mais velho, a
alteração feita por Fabiano na história que contava era motivo de desconfiança.
Algo não cheirava bem naquele enredo _ . Sempre pensativo, o menino mais velho
dormiu pensando na falha do pai e nos sapos que estariam lá fora, no frio.
Baleia, incomodada com a arenga de Fabiano, procurava
sossego naquela paisagem interior. Queria dormir em paz, ouvindo o barulho de
fora _ .
Festa
A família foi à festa de Natal na cidade. Todos vestidos com
suas melhores roupas, num traje pouco comum às suas figuras, o que lhes dava um
ar ridículo. A caminhada longa tornava-se ainda mais cansativa por causa
daquelas roupas e sapatos apertados. O mal-estar era geral, até que Fabiano
cansou-se da situação e tirou os sapatos, metendo as meias no bolso,
livrando-se ainda do paletó e da gravata que o sufocava. Os demais fizeram o
mesmo. Voltaram ao seu natural. Baleia juntou-se ao grupo _ .
Chegando à cidade, foram todos lavar-se à beira de um riacho
antes de se integrarem à festa. Sinha Vitória carregava um guarda-chuva.
Fabiano marchava teso. Os meninos maravilham-se, assustados, com tantas luzes e
gente. A igreja, com as imagens nos altares, encantou-os mais ainda. O pai
espremia-se no meio da multidão, sentindo-se cercado de inimigos. Sentia-se
mangado por aquelas pessoas que o viam em trajes estranhos à sua bruta feição.
Ninguém na cidade era bom. Lembrou-se da humilhação imposta pelo soldado amarelo
quando estivera pela última vez na cidade.
A família saiu da igreja e foi ver o carrossel e as barracas
de jogos. Como Sinha Vitória negou-lhe uma aposta no bozó, Fabiano afastou-se
da família e foi beber pinga _ . Embriagando-se, foi ficando valente.
Imaginava, com raiva, por onde andava o soldado amarelo. Queria esganá-lo. No
meio da multidão, gritava, provocava um inimigo imaginário _ . Queria bater em
alguém, poderia matar se fosse o caso _ . Vez ou outra, interrompia suas
imprecações para uma confusa reflexão. Cansado do seu próprio teatro, Fabiano
deitou no chão, fez das suas roupas um travesseiro e dormiu pesadamente.
Sinha Vitória, aflita, tinha que olhar os meninos, não podia
deixar o marido naquele estado. Tomando coragem para realizar o que mais queria
naquele momento, discretamente esgueirou-se para uma esquina e ali mesmo
urinou. Em seguida, para completar o momento de satisfação, pitou num cachimbo
de barro pensando numa cama igual à de seu Tomas da bolandeira .
Os meninos também estavam aflitos. Baleia sumira na confusão
de pessoas, e o medo de que ela se perdesse e não mais voltasse era grande.
Para alívio dos pequenos, a cachorrinha surge de repente e acaba com a tensão.
Restava, agora, aos pequenos, o maravilhamento com tudo de novo que viam. O
menor perguntou ao mais velho se tudo aquilo tinha sido feito por gente. A
dúvida do maior era se todas aquelas coisas teriam nome. Como os homens
poderiam guardar tantas palavras para nomear as coisas _ ?
Distante de tudo, Fabiano roncava e sonhava com soldados
amarelos.
Baleia
Pêlos caídos, feridas na boca e inchaço nos beiços
debilitaram Baleia de tal modo que Fabiano achou que ela estivesse com raiva.
Resolveu sacrificá-la. Sinha Vitória recolheu os meninos, desconfiados, a
fim de evitar-lhes a cena.
Baleia era considerada como um membro da família, por isso
os meninos protestaram, tentando sair ao terreiro para impedir a trágica
atitude do pai. Sinha Vitória lutava com os pequenos, porque aquilo era
necessário, mas aos primeiros movimentos do marido para a execução, lamentou o
fato de que ele não tivesse esperado mais para confirmar a doença da
cachorrinha.
Ao primeiro tiro, que pegou o traseiro da cachorra e
inutilizou-lhe uma perna, as crianças começaram a chorar desesperadamente.
Começou, lá fora, o jogo estratégico da caça e do caçador.
Baleia sentia o fim próximo, tentava esconder-se e até desejou morder Fabiano.
Um nevoeiro turvava a visão da cachorrinha, havia um cheiro bom de preás. Em
meio à agonia, tinha raiva de Fabiano, mas também o via como o companheiro de
muito tempo. A vigilância às cabras, Fabiano, Sinha Vitória e as crianças
surgiam à Baleia em meio a uma inundação de preás que invadiam a cozinha _ .
Dores e arrepios. Sono. A morte estava chegando para Baleia.
Contas
Fabiano retirava para si parte do que rendiam os cabritos e
os bezerros. Na hora de fazer o acerto de contas com o patrão, sempre tinha a
sensação de que havia sido enganado. Ao longo do tempo, com a produção escassa,
não conseguia dinheiro e endividava-se.
Naquele dia, mais uma vez Fabiano pedira a Sinha Vitória
para que ela fizesse as contas. O patrão, novamente, mostrou-lhe outros
números. Os juros causavam a diferença, explicava o outro. Fabiano reclamou,
havia engano, sim senhor, e aí foi o patrão quem estrilou. Se ele desconfiava,
que fosse procurar outro emprego. Submisso, Fabiano pediu desculpas e saiu
arrasado, pensando mesmo que Sinha Vitória era quem errara.
Na rua, voltou-lhe a raiva. Lembrou-se do dia em que fora
vender um porco na cidade e o fiscal da prefeitura exigira o pagamento do
imposto sobre a venda. Fabiano desconversou e disse que não iria mais vender o
animal. Foi a uma outra rua negociar e, pego em flagrante, decidiu nunca mais
criar porcos _ .
Pensou na dificuldade de sua vida. Bom seria se pudesse
largar aquela exploração. Mas não podia! Seu destino era trabalhar para os
outros, assim como fora com seu pai e seu avô.
As notas em sua mão impressionavam-no. "Juros",
palavra difícil que os homens usavam quando queriam enganar os outros. Era
sempre assim: bastavam palavras difíceis para lograr os menos espertos. Contou
e recontou o dinheiro com raiva de todas aquelas pessoas da cidade. Sinha
Vitória é que entendia seus pensamentos.
Teve vontade de entrar na bodega de seu Inácio e tomar uma
pinga. Lembrou-se da humilhação passada ali mesmo e decidiu ir para casa. o
céu, várias estrelas. Deixou de lado a lembrança dos inimigos e pensou na
família. Sentiu dó da cachorra Baleia. Ela era um membro da família.
O Soldado Amarelo
Procurando uma égua fugida, Fabiano meteu-se por uma vereda
e teve o cabresto embaraçado na vegetação local. Facão em punho, começou a
cortar as quipás e palmatórias que impediam o prosseguimento da busca. Nesse
momento, depara-se com o soldado amarelo que o humilhara um ano atrás _ . O
cruzar de olhos e o reconhecimento durou fração de segundos. O suficiente para
que Fabiano esfolasse o inimigo. O soldado claramente tremia de medo. Também
reconhecera o desafeto antigo e pressentia o perigo.
Fabiano irritou-se com a cena. O outro era um nadica.
Poderia matá-lo com as mãos, sem armas, se quisesse. A fragilidade do outro aos
poucos foi aplacando a raiva de Fabiano. Ponderou que ele mesmo poderia ter
evitado a noite na cadeia se não tivesse xingado a mãe do amarelo. No meio daquela
paisagem isolada e hostil, só os dois, e se ele pedisse passagem ao soldado?
Aproximou-se do outro pensando que já tinha sido mais valente, mais ousado. Na
verdade, na fração de segundo interminável Fabiano ia descobrindo-se
amedrontado. Se ele era um homem de bem, para que arruinar a sua vida matando
uma autoridade? Guardaria forças para inimigo maior.
Sentindo o inimigo acovardado, o soldado ganhou força.
Avançou firme e perguntou o caminho. Fabiano tirou o chapéu numa reverência e
ainda ensinou o caminho ao amarelo.
O Mundo Coberto de Penas
A invasão daquele bando de aves denunciava a chegada da
seca. Roubavam a água do gado, matariam bois e cabras. Sinha Vitória
inquietou-se. Fabiano quis ignorar, mas não pôde; a mulher tinha razão.
Caminhou até o bebedouro, onde as aves confirmavam o anúncio da seca. Eram
muitas. Um tiro de espingarda eliminou cinco, seis delas, mas eram muitas.
Fabiano tinha certeza, agora, de uma nova peregrinação, uma nova fuga.
Era só desgraça atrás de desgraça. Sempre fugido, sempre
pequeno. Fabiano não se conformava, pensava com raiva no soldado amarelo,
achava-se um covarde, um fraco. Irado, matou mais e mais aves. Serviriam de
comida, mas até quando ? Quem sabe a seca não chegasse...Era sempre uma
esperança. Mas o céu escuro de arribações só confirmava a triste situação _ .
Elas cobriam o mundo de penas, matando o gado, tocando a ele e à família dali,
quem sabe comendo-os.
Recolheu os cadáveres das aves e sentiu uma confusão de
imagens em sua cabeça. Aquele lugar não era bom de se viver. Lembrou-se de
Baleia, tentou se convencer de que não fizera errado em matá-la, pensou de novo
na família e no que as arribações representavam. Sim, era necessário ir embora
daquele lugar maldito. Sinha Vitória era inteligente, saberia entender a
urgência dos fatos.
Fuga
O céu muito azul, as últimas arribações e os animais em
estado de miséria indicavam a Fabiano que a permanência naquela fazenda estava
esgotada. Chegou um ponto em que, dos animais, só sobrou um bezerro, que foi
morto para servir de comida na viagem que se faria no dia seguinte.
Partiram de madrugada, abandonando tudo como encontraram. O
caminho era o do sul. O grupo era o mesmo que errava como das outras vezes.
Fabiano, no fundo, não queria partir, mas as circunstâncias convenciam-no da
necessidade.
A vermelhidão do céu, o azul que viria depois assustavam
Fabiano _ . Baleia era uma imagem constante em seus confusos pensamentos. Sinha
Vitória também fraquejava. Queria, precisava falar _ . Aproximou-se do marido e
disse coisas desconexas, que foram respondidas no mesmo nível de atrapalhação.
Na verdade, ele gostou que ela tivesse puxado conversa. Ela
tentou animar o marido, quem sabe a vida fosse melhor, longe dali, com uma nova
ocupação para ele. Marido e mulher elogiam-se mutuamente; ele é forte, agüenta
caminhar léguas, ela, tem pernas grossas e nádegas volumosas, agüenta também. A
cidade, talvez, fosse melhor. Até uma cama poderiam arranjar. Por que haveriam
de viver sempre como bichos fugidos _ ?
Os meninos, longe, despertavam especulações ao casal. O que
seriam quando crescessem? Sinha Vitória não queria que fossem vaqueiros. O
cansaço ia chegando à medida que avançava a caminhada, e assim houve uma parada
para descanso. Novamente marido e mulher conversavam, fazendo planos, temendo o
mau agouro das aves que voavam no céu.
Sinha Vitória acordou os pequenos, que dormiam, e seguiu-se
viagem. Fabiano ainda admirou a vitalidade da mulher. Era forte mesmo! Assim, a
cada passo arrastado do grupo um mundo de novas perspectivas ia sendo criado.
Sinha Vitória falava e estimulava Fabiano. Sim, deveria haveria uma nova terra,
cheia de oportunidades, distante do sertão a formar homens brutos e fortes como
eles.
ESTUDO DOS PERSONAGENS
Baleia - cadela da família, tratado como gente, muito querido
pelas crianças.
Sinhá Vitória - mulher de Fabiano, sofrida, mãe de 2
filhos, lutadora e inconformada com a miséria em que vivem, trabalha muito na
vida.
Fabiano - nordestino pobre, ignorante que
desesperadamente procura trabalho, bebe muito e perde dinheiro no jogo.
Filhos - crianças pobres sofridas e que não tem noção
da própria miséria que vivem.
Patrão - contratou Fabiano para trabalhar em sua
fazenda, era desonesto e explorava os empregados.
Outros personagens: o soldado, seu Inácio (dono do
bar).
ANÁLISE DAS IDÉIAS
Comentário Crítico:
Esse livro retrata fielmente a realidade brasileira não só
da época em que o livro foi escrito, mas como nos dias de hoje tais como
injustiça social, miséria, fome, desigualdade, seca, o que nos remete a idéia
de que o homem se animalizou sob condições sub-humanas de sobrevivência.
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